Olá,
A prece deve ser uma expansão íntima da alma para com Deus, um
colóquio solitário, uma meditação sempre útil, muitas vezes fecunda.
É, por
excelência, o refúgio dos aflitos, dos corações magoados.
Nas horas de acabrunhamento,
de pesar íntimo e de desespero, quem não achou na prece a
calma, o reconforto e o alivio a seus males?
Um diálogo misterioso se
estabelece entre a alma sofredora e a potência evocada.
A alma expõe suas
angústias, seus desânimos; implora socorro, apoio,indulgência.
E, então, no
santuário da consciência, uma voz secreta responde: é a voz
dAquele donde
dimana toda a força para as lutas deste mundo, todo o bálsamo para as nossas
feridas, toda a luz para as nossas incertezas.
E essa voz consola, reanima,
persuade; traz-nos a coragem, a submissão, a resignação estóicas.
E, então,
erguemo-nos menos tristes, menos atormentados; um raio de sol divino luziu
em nossa alma, fez despontar nela a esperança.
Há homens que desdenham a prece, que a consideram banal e ridícula.
Esses jamais oraram, ou, talvez, nunca tenham sabido orar. Ah! sem dúvida, se
só se trata de padre-nossos proferidos sem convicção, de responsos tão vãos
quanto intermináveis, de todas essas orações classificadas e numeradas que
os lábios balbuciam, mas nas quais o coração não toma parte, pode-se
compreender tais críticas; porém, nisso não consiste a prece.
A prece é uma
elevação acima de todas as coisas terrestres, um ardente apelo às potências
superiores, um impulso, um vôo para as regiões que não são perturbadas
pelos murmúrios, pelas agitações do mundo material, e onde o ser bebe as inspirações que lhe são necessárias.
Quanto maior for seu alcance, tanto mais
sincero é seu apelo, tanto mais distintas e esclarecidas se revelam as
harmonias, as vozes, as belezas dos mundos superiores.
É como que uma
janela que se abre para o invisível, para o infinito, e pela qual ela percebe mil
impressões consoladoras e sublimes. Impregna-se, embriaga-se e retempera-se
nessas impressões, como num banho fluidico e regenerador.
Nos colóquios da alma com a Potência Suprema a linguagem não deve ser
preparada ou organizada com antecedência; sobretudo, não deve ser uma
fórmula, cujo tamanho é proporcional ao seu importe monetário, pois isso seria
uma profanação e quase um sacrilégio.
A linguagem da prece deve variar
segundo as necessidades, segundo o estado do Espírito humano. É um grito,
um lamento, uma efusão, um cântico de amor, um manifesto de adoração, ou
um exame de seus atos, um inventário moral que se faz sob a vista de Deus,
ou ainda um simples pensamento, uma lembrança, um olhar erguido para o
céu.
Não há horas para a prece. Sem dúvida, é conveniente elevar-se o coração
a Deus no começo e no fim do dia. Mas, se não vos sentirdes motivados, não
oreis; é melhor não fazer nenhuma prece do que orar somente com os lábios.
Em compensação, quando sentirdes vossa alma enternecida, agitada por um
sentimento profundo, pelo espetáculo do infinito, deveis fazer a prece, mesmo
que seja à beira dos oceanos, sob a claridade do dia, ou debaixo da cúpula
brilhante das noites; no meio dos campos e dos bosques sombreados, no
silêncio das florestas, pouco importa; é grande e boa toda causa que,
produzindo lágrimas em nossos olhos ou dobrando os nossos joelhos, faz
também emergir em nosso coração um hino de amor, um brado de admiração
para com a Potência Eterna que guia os nossos passos por entre os abismos.
Seria um erro julgar que tudo podemos obter pela prece, que sua eficácia implique em desviar as provações inerentes à vida.
A lei de imutável justiça
não se curva aos nossos caprichos. Os males que desejaríamos afastar de nós
são, muitas vezes, a condição necessária do nosso progresso. Se fossem
suprimidos, o efeito disso seria tornar estéril a nossa vida.
De outro modo,
como poderia Deus atender a todos os desejos que os homens exprimem nas
suas preces? A maior parte destes seria incapaz de discernir o que convém, o
que é proveitoso. Alguns pedem a fortuna, ignorando que esta, dando um vasto
campo às suas paixões, seria uma desgraça para eles.
Leon Denis " Depois da Morte "
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