Olá,
A mais fascinante poesia do homem plenamente cristificado consiste em fazer com leveza as coisas pesadas, — com facilidade as coisas difíceis, — com suavidade as coisas amargas, — com alegria as coisas tristes, — com sorridência as coisas dolorosas.
O homem bom asceticamente bom, eticamente virtuoso, faz pesadamente as coisas pesadas, tristemente as coisas tristes, dificilmente as coisas difíceis, amargamente as coisas amargas, e assim por diante. Nisto há verdade e bondade, mas, não há beleza e poesia.
A suprema perfeição do homem crístico é uma verdade revestida de beleza. A vida do homem plenamente cristificado é comparável à máquina de aço de lei, que funciona com absoluta precisão e infalibilidade, mas o seu funcionamento é leve como a luz, silencioso como a trajetória dos astros, espontâneo como o amor, sorridente como um arco-íris sobre vastos dilúvios de lágrimas.
O homem totalmente profano não pratica as coisas boas, procura evitá-las e ser alegremente mau.
O homem semi-espiritual, simplesmente cristão e virtuoso, pratica o bem, mas com gemidos e dor; ser bom é, para ele, carregar a cruz, cumprir heroica¬mente o imperativo categórico do dever.
O homem plenamente espiritual, cristico, entrou na zona da suprema sabedoria, que é leve e luminosa, espontânea e radiante. Ele é, de fato, a “luz do mundo”, é como esse sol de estupendo poder e de inefável suavidade, esse sol que lança pelos espaços as esferas gigantescas — mas sua luz não quebra a delgada lâmina de uma vidraça que penetra, nem ofende a delicadeza de uma pétala de flor que beija silenciosamente.
O homem crístico é como o sol, suavemente poderoso, poderosamente suave.
É poderoso — mas não exibe poder.
É puro — mas não vocifera contra os impuros.
Adora o que é sagrado — mas sem fanatismo.
É amigo de servir — mas sem servilismo.
Ama — sem importunar a ninguém.
Vive alegre — com grande compostura.
Sofre — sem amargura.
Goza — sem profanidade.
Ama a solidão — sem detestar a sociedade
É disciplinado — sem fazer disto um culto.
Jejua — mas não desfigura o rosto para mostrar a vacuidade do estômago.
Pratica abstinência de muitas coisas — sem fazer disto uma lei ou mania.
É um herói — mas ignora qualquer complexo de heroísmo.
É virtuoso — mas não é vitima da obsessão de virtuosidade.
Trabalha intensamente, com alegria e entusiasmo
— mas renuncia serenamente, a cada momento, aos frutos do seu trabalho.
Assim é o homem que se tornou “luz do mundo”.
Mas, como pode um homem fazer hoje, por um querer espontâneo, o que ontem só fazia por um dever compulsório?
Como pode jejuar com alegria, hoje, de rosto em festa, quando ontem só jejuava com tristeza, de rosto desfigurado?
Que foi que lhe aconteceu entre esse hoje e aquele ontem? Entre esse jubiloso querer de hoje e aquele doloroso dever de ontem?
Algo de estranho e de grande deve ter aconte¬cido...
Sim, aconteceu-lhe algo de estranho e de grande — aconteceu-lhe a coisa maior do universo que pode acontecer a um ser mortal — aconteceu-lhe a graça divina de uma grande, vasta e profunda compreensão de si mesmo, do Deus nele, do seu Cristo interno.
Esse homem superou a velha ilusão de que “ser bom” seja necessariamente “ser sofredor”.
Huberto Rohden " O Sermão da Montanha"
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