Olá,
Continuação
4. Perguntou-lhe Nicodemos:
"Como pode um homem nascer sendo velho?
Pode porventura entrar pela segunda vez no ventre de sua mãe e nascer"?
5. Respondeu Jesus: "Em verdade, em verdade te digo, que se alguém não
nascer de água e de espírito não pode entrar no Reino de Deus;
6. o que
nasceu da carne é carne, o que nasceu do espirito é espírito. 7. Não te
maravilhes de eu te dizer: é-vos necessário nascer de novo (do alto): 8.
o espírito age onde quer, e ouves sua voz, mas não sabes donde vem nem
para onde vai: assim é todo aquele que nasceu do espírito". 9. "Como
pode ser isto"? , perguntou-lhe Nicodemos. 10. Respondeu-lhe Jesus: "Tu
és o mestre de Israel e não entendes estas coisas? 11. Em verdade, em
verdade te digo, que falamos o que sabemos e testificamos o que vimos, e
não recebeis nosso testemunho? 12. Se vos falei de coisas terrenas e
não me credes, como crereis se vos falar de coisas celestiais? 13.
Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, a saber, o Filho do
Homem 14. Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que
o Filho do Homem seja levantado, 15. para que todo aquele que nele crê,
tenha a vida futura". Um dos episódios mais instrutivos, em qualquer
plano que se consiga compreendê-lo: no literal, no alegórico, no
simbólico ou no espiritual. Vamos inicialmente fazer os comentários
exegéticos, passando depois aos hermenêuticos. Passa-se o fato com um
fariseu de nome grego, Nicodemos ("vencedor do povo"). Seu nome aparece
mais duas vezes apenas, sempre em João (7-5 e 19:39).
Era Doutor da Lei e
chefe dos judeus, o que indica pertencer ao Sinédrio. Procura Jesus à
noite, hora mais propícia para uma conversa particular, acrescendo a
circunstância da prudência de não ser visto. Nicodemos dá a Jesus o
título de Rabbi, tratando-o como igual. e explica as razões por que o
considera também Doutor da Lei: as demonstrações de obras e palavras,
Jesus fala em nascer "de novo" ou "do alto". A palavra grega ανουεν pode
ter os dois sentidos. João o emprega geralmente no segundo sentido (em
3:31, em 19:11 e em 19:23). Os ,’Pais" da igreja grega (Orígenes, João
Crisóstomo, Cirilo de Alexandria, etc.) e alguns modernos (Calmes,
Lagrange, Loisy, Bernard, Joüon, Pirot, Tillmann e o nosso José de
Oiticica) preferem "do alto". Os "Pais" da igreja latina (Agostinho,
Jerônimo, Ambrósio, etc.) e outros modernos (d’Alâs, Durand,
Knabenbauer, Plummer, Zahn, etc.) opinam por ’de novo. Um e outro
sentido cabem perfeitamente no contexto.
Jesus inicia a conversa afirmando que ninguém pode VER ( ιδειν )
no sentido de conhecer, ver com a Mente, identificar-se, e portanto
viver) o Reino dos céus (mais abaixo é usado "Reino de Deus" como
sinônimo perfeito) se não nascer de novo, ou do alto. Nicodemos indaga
como pode nascer pela segunda vez um homem velho se poderá voltar para o
ventre materno". Esta pergunta revela que o mestre de Israel entendeu
"de novo" sem a menor dúvida.
O
Rabbi não retira o que disse: ao contrário, confirma-o, especificando
que o nascimento deverá ser "de água e de espírito" (em grego sem
artigo); e dizendo mais: "que o que é carne nasce da carne e o que é
espírito provém do espírito" (em grego com artigo). E repete: e
necessário nascer de novo (ou do alto). Depois acrescenta: "o espírito
age onde quer".
As traduções vulgares trazem o vento sopra onde quer".
Ora, a palavra πνευµα (pneuma) é repetida no original cinco vezes nos
quatro versículos (5, 6, 7 e 8). Por que traduzir quatro vezes por
"espírito" e uma vez por vento? Estranho ... Mas há razões para isso.
Veremos. Jesus muda de tom, torna-se mais solene, eleva os conceitos e
penetra assuntos mais profundos. Admira- se que Nicodemos não o entenda.
Salienta que entre os dois há uma diferença: Nicodemos é "o doutor de
Israel", enquanto ele, Jesus, não havia feito os cursos oficiais (daí
aparecer em grego o artigo diante da palavra "doutor").
Salienta, então,
que até aqui falou de coisas terrenas, e não foi entendido. Que
sucederá se falar das celestiais (espirituais) ? Depois cita a serpente
de bronze, que foi elevada por Moisés (Núm.21:4-9), dizendo que o mesmo
deverá acontecer ao Filho do Homem. No livro da Sabedoria de Salomão
(16:6-7) essa serpente é citada como "símbolo de salvação". Passemos,
agora, à hermenêutica.
1.ª Interpretação: LITERAL
É a adotada pela
igreja Católico-Romana. Jesus diz a Nicodemos que a criatura só pode
obter o Reino de Deus (salvar-se) se renascer pela água (que é mesmo a
água física do batismo) e pelo espírito (que é a infusão do Espírito
Santo). Daí ser traduzido o versículo 8 por "o vento sopra onde quer",
como um simples exemplo da liberdade do Espírito. O batismo é um rito de
iniciação que se tornou um "sacramento".
A palavra latina sacramentum é
a tradução do grego , e corresponde aos mistérios gregos que
se aplicavam aos catecúmenos (profanos que haviam recebido a instrução
oral e estavam prontos para ser "iniciados" nos mistérios). Nesse
sentido era usada a palavra sacramento. No século 4.º, Ambrósio
introduziu no latim a palavra grega mysterium, com o sentido de "coisa
oculta", segredo não revelável a estranhos. O sacramento do batismo é a
junção da água e das palavras que dão o Espí- rito, e se define: "sinal
sensível que exprime e produz a graça santificante, permanentemente
instituído por Jesus Cristo" (Tanquerey, Theologia Dogmatica, vol. III,
n. 248). E Agostinho (Tratado 80, in Johanne n.3) confirma: No batismo
há palavra e água.. Tira a palavra, que fica? água pura. Se a palavra é
unida ao elemento, temos o sacramento.
Que força teria a água de lavar o
coração, se não fossem as palavras"? (Patrol. Lat., vol. 35, col.
1810). Essa é a única interpretação lícita, segundo o Concílio de Trento
(sessão 7, cânon 2): "Si quis dixerit aquam veram et naturalem non esse
de necessitate baptismi, atque ideo verba illa Domini nostri Jesu
Christi: nisi quis renatus fuerit ex aqua et Spiritu Sancto" ad
metaphoram aliquam detorserit, anathema sit". "Se alguém disser que não
há necessidade de água verdadeira e natural para o batismo, e igualmente
que devem ser interpretadas como metáfora as palavras de nosso Senhor
Jesus Cristo: "se alguém não renascer da água e do Espírito Santo", seja
anátema". Há, pois, uma
interpretação fixada como dogma.
2.ª Interpretação: ALEGÓRICA
Foi
justamente a condenada pelo Concílio de Trento, cujo artigo se dirigia
contra Calvino e Grotius. Essa interpretação ainda é seguida pela
maioria dos evangélicos (protestantes). A explicação da "água"
corresponde ao rito do batismo. Mas o "espírito" tem novo significado: é
o renascimento moral, a vida nova ou o novo teor de vida no caminho de
Cristo. O sentido do renascimento espiritual, com a morte do "homem
velho" e o nascimento do "homem novo" é muitas vezes ensinado nas
Escrituras, desde o Antigo Testamento: "Lançai de vós todas as vossas
transgressões, com que errastes, e fazei-vos um coração novo e um
espírito novo" (Ez.18:31); "Também vos darei um coração novo e dentro de
vós porei um espírito novo" (Ez.36:26); "Se alguém está em Cristo, é
uma nova criação: passou o que era velho, eis que se fez novo" (2
Cor.5:17); "Não mintais uns aos outros, tendo-vos despido do homem velho
com seus feitos e tendo-vos revestido do homem novo" (Col.3:9); e ainda
2 Cor.2:11-13 ou Ef. 4:20-24 e Rom.6:3-11. A tradução adotada no
versículo 8 é também "vento", defendendo-se a tradução com a frase do
Eclesiastes (11:5): "Tu não sabes o caminho do vento". Entretanto, aí a
palavra usada não é πνευµα , mas ανεµος .
Quanto ao verbo pnei, se é
usado com sentido de "soprar" com referência ao vento, também pode
significar "agir, exteriorizar-se, manifestar-se" em relação ao
espírito. O latim traduz πνευµα por "spiritus" e πνει por spirare,
dentro do sentido grego. Mas também em português usamos o mesmo radical,
quer se trate do espírito (inspiração) quer se trate do vento
(respiração), que se divide em inspira ção e expiração; e quando o
espírito se retira, dizemos que a pessoa "expirou".
3.ª Interpretação:
FISIO-REALISTA
Aceita pelos espiritistas, como ensino da realidade
fisiológica do que ocorre com as criaturas. A tradu- ção de " ανουεν " é
"de novo", tal como a entendeu Nicodemos, que pergunta como pode "o
homem, depois de velho, entrar pela segunda vez ( δευτερον ) no ventre
materno". A essa indagação, longe de protestar que não era isso o que
queria dizer, Jesus insiste e confirma suas palavras: "é o que te disse:
indispensável se torna que o homem nasça de água (isto é,
materialmente, com o corpo denso, dado que o nascimento físico é feito
através da bolsa d ’água do liquido amniótico) e de espírito (ou sej a,
que adquira nova personalidade no mundo terreno, em cada nova
existência, a fim de progredir).
Se
Nicodemos entendeu à letra as palavras ãe Jesus, o Mestre as confirma à
letra e reforça seu ensino. Com efeito, o espírito, ao reentrar na vida
física, pode ser considerado novo espírito que reinicia suas
experiências esquecido de todo o passado. Em grego não há artigo diante
das palavras "água" e "espírito". Não é portanto nascer da água do
batismo, nem do espírito, mas de água (por meio da água) e de espírito
(pela reencarnação do espírito). Daí a explicação que se segue: "o que
nasce da carne (com artigo em grego) é carne, isto é, é o corpo físico,
com toda a hereditariedade física herdada do corpo dos pais; e o que
nasce do espírito é espírito" ou seja, o espírito que reencarna provém
do espírito da última encarnação, com toda a hereditariedade pessoal que
traz do passado".
E Jesus prossegue: "por isso não te admires de eu te
dizer: é-vos necessário nascer de novo". Observe-se a diferença de
tratamento: "dizer-TE" no singular, e "é-VOS" no plural, porque o
renascimento é para todos, não apenas para Nicodemos. E mais: "o
espírito sopra (isto é, age, reencarna, se manifesta) onde quer, e não
sabes donde veio (ou seja, sua última encarna- ção), nem para onde vai
(qual será a próxima). As palavras de Jesus foram de molde a embaraçar
Nicodemos, que indaga: "como pode ser isso"? E Jesus: "Tu que (entre nós
dois) és o Mestre de Israel, te perturbas com estas coisas terrenas?
Que te não acontecerá, então, se te falar das coisas celestiais
(espirituais)"?
Logicamente Jesus
não podia esperar que Nicodemos entendesse as outras interpretações
mais profundas desse ensinamento (como dificilmente poderia ter querido
ensinar o rito do batismo, que não havia ainda sido instituído nem
ordenado por ele, a essa época, quando só havia o "batismo" de João).
Depois exemplifica: "como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim o
Filho do Homem será erguido da Terra ". Paulo interpreta assim esse
ensinamento de Jesus: "Mas quando apareceu a bondade de Deus, nosso
Salvador, e o seu amor para com os homens, não por obras de justiça que
tivéssemos feito, mas segundo sua misericórdia nos salvou pelo lavatório
da reencarnação, e pelo renascimento de um espírito santo" (Tit.3:4-5).
As palavras utilizadas são bastante claras e insofismáveis: lavatório
(lavar com água; λουτρον da reencarnação: παλιγγενεσια que é o termo
técnico da reencarnação entre os gregos; pelo renascimento (anaxinóseos)
isto é, um novo nascimento). Paulo, pois, diz que Deus nos salvou não
porque o tivéssemos merecido, mas por Sua misericórdia, servindo-se da
palingenésia (isto é, da reencarnação) a qual é um "lavatório" (de água)
e um "renascimento" do espírito. Que o renascimento é feito através da
água, já o diz o Genesis (cfr.1:1-2; 1:6-7 e 2:4-7).
4.ª Interpretação:
SIMBÓLICA
Para compreendê-la, estudemos algumas palavras: NICODEMOS -
significa "vencedor" do povo e exprime alguém que já venceu a inércia
da massa popular por seus conhecimentos das Escrituras, já se destacou
do "vulgo profano superando sua natureza inferior.
DE NOITE - talvez
signifique que Nicodemos procurou o Mestre em corpo astral (ou mental)
durante o sono físico. Nessa condição ser-Ihe-ia possível manter
conversações mais íntimas. E João poderia ter assistido a ela, pois
algumas cenas dos Evangelhos foram assistidas nessa condição (por
exemplo, a "transfiguração": Pedro e seus companheiros (Tiago e João)
estavam oprimidos de sono, mas conservavam- se acordados", Luc.9:32).
Nesta interpretação, descobrimos um sentido diferente do diálogo literal
entre os dois, o Rabbi e o Doutor da Lei, o Mestre Espiritual e o
Mestre Intelectual. Antes de qualquer pergunta, Jesus dá a frase chave
do novo ensinamento que vai ministrar: "é necessário nascer de novo para
ver o Reino dos céus" - Nicodemos entende que Jesus lhe fala da
reencarnação, fato já conhecido por ele, pois, sendo fariseu, aceitava
normalmente a reencarnação, e não podia de modo algum estranhar o fato
nem ignorar sua realidade. Para confirmar esta assertiva, leia-se apenas
esse trecho de Flávio Josefo: "Ensinam os fariseus que as almas são
imortais e que as almas dos justos passam, depois desta vida, a OUTROS
CORPOS" ... (Bell.Jud.2, 5, 11).
Como, pois, Nicodemos podia ignorar
esta doutrina, a ponto de admirar-se tanto e fazer uma objeção pueril?
Compreendamos sua frase, quando pergunta a Jesus: "Como poderá (bastar)
um homem renascer depois de velho? Acaso poderá (bastar) que ele entre
pela segunda vez no ventre materno, para (só com isso) ver o reino dos
céus"? Jesus então reafirma sua tese, mas ampliando-a, elevando-a de
nível tornando-a universal: Não é do nascimento físico na matéria que
ele fala. Não é do microcosmo: é do macrocosmo, de que falara em Mateus
(19:28): "Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando na
reencarnação (palingenesia) o Filho do Homem se assentar no trono de sua
glória, sentar-vos-eis também em doze tronos, para julgardes as doze
tribos de Israel". Trata-se, aqui, da reencarnação ou renascimento do
planeta.
Explica então: o que nasce da carne é carne, é matéria
corruptível, mas a que nasce do "espírito" é o Espírito eterno, que não
necessitará mais da carne para progredir. Só nasce na carne o que está
sujeito às leis do Carma (individual, grupal, coletivo ou planetário):
esse ainda é carne, ainda terá que nascer da água, porque está preso à
baixa densidade. Mas o que nasce do espírito se liberta, ascende a
outros planos. O ensinamento foi desenvolvido por Paulo na Epístola 1
aos Coríntios, capítulo 15.
"Sabedoria do Evangelho" Carlos Torres Pastorino
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