domingo, 15 de julho de 2012

SABEDORIA DO EVANGELHO - SER DISCÍPULO

 Olá,

Luc. 14:25-33

 25. Saía com ele grande multidão e, voltando-se disse (Jesus) a eles: 26. "Se alguém vem a mim e não odeia seu pai, e a mãe, e a esposa, e os filhos, e os irmãos, e as irmãs, e até também a própria alma, não pode ser meu discípulo; 27. quem não carrega sua cruz e vem atrás de mim, não pode ser meu discípulo. 28. Quem de vós, pois, querendo edificar uma torre, primeiro não se senta a calcular o gasto, se tem para acabar?


29. Para que não suceda que, pondo o alicerce e não podendo terminar, os que vêem comecem a caçoar dele, 30. dizendo: "este homem começou a edificar e não pode terminar". 31. Ou que rei, saindo a lançar-se em guerra com outro rei, primeiro não senta, deliberando se é forte com dez mil, para enfrentar ao que vem com vinte mil contra ele? 32. Se não, estando ele ainda longe, envia uma legação, pedindo as (condições) para a paz 33. Assim, pois, qualquer de vós que não se destaca de todas as suas posses, não pode ser meu discípulo".

 As "multidões" saíam, acompanhando Jesus, correndo atrás de Sua fascinante personalidade humana, maravilhadas com Seus poderes psíquicos, com Suas "palavras de amor" (Luc. 4:22; vol. 2), de sabedoria e autoridade. O Mestre observa os componentes do grupo: quantos ali estão a Ele se prendem somente por causa dos benefícios recebidos ou a receber ... Não. Não é isso o que importa, não é isso que interessa. Não é imitá-Lo externamente, nas palavras e gestos. E algo mais profundo e misterioso. Volta-Se, então, e mais uma vez fala, repisando temas já versados outras ocasiões, a fim de fixar responsabilidades e alertar contra entusiasmos fáceis e efêmeros.

Já expusera longamente, certa feita, as condições essenciais para ser Seu discípulo (cfr. Mat. 16:24-28; Marc. 8:34-38; Luc. 9:23:-27; vol. 4). Novamente frisa, com outras palavras, as condições indispensáveis para que possa alguém ingressar na senda do discipulado.

1.ª - "odiar" (míseô) os parentes, por mais próximos e queridos que sejam, e cita: "pai, mãe, esposa, filhos (em geral, dos dois sexos, tékna), irmãos, irmãs. Em Mateus 10:37 (vol. 3), são citados: pai, mãe, filho, nora e filha. E pelas palavras aí registradas por esse evangelista, compreendemos o sentido deste "odiar". Lá encontra-se: ho philôn patéra è mêtéra hyper emé, isto é, "o que ama o pai ou a mãe acima de mim" (mais que a mim). Trata-se, portanto, de dois termos de comparação entre dois amores, levada ao extremo exagero por metáfora, devido à exuberância do linguajar oriental.

2.ª - Não apenas os seres queridos "externos", mas até a própria alma (psyché), ou seja, sua personagem terrena. Em outro passo (Mat. 16:24; Marc. 8:34; Luc. 9:23; vol. 4) essa exigência é dita com a expressão "negue-se a si mesmo". Então, desligamento total de amores personativos externos e internos.

 3.ª - Carregar sua cruz, já explicado no vol. 4.

4.ª - Caminhar após Ele (idem, ibidem).  Calcular sua capacidade. Exigência que pela vez primeira aparece. Ou seja, fazer o indispensável balanço no que possua de compreensão, de cultura, intelectual, de conhecimento, para ver se tem possibilidade de iniciar e terminar o estudo e a "construção da torre".

5.ª - Calcular suas possibilidades, isto é, as forças de que dispõe para enfrentar um adversário numeroso e ferrenho.

 6.ª - E última: destacar-se (o verbo grego apotássô é composto de tásso, "por no lugar devido", e apó, longe de"), ou seja, saber colocar nos devidos lugares, bem longe um do outro, o Espírito e os bens materiais (hypárchousin) ... Para esclarecer de vez o sentido do vers. 26, vamos reler o Bhagavad-Gita.

Arjuna vê, formados no exército que devia combater, "seus avós, sogros, tios, irmãos e primos com seus respectivos filhos e netos, seus camaradas, professores e amigos" (I,26 - por coincidência o mesmo número do artigo!) e assim fala:

"Ó Krishna, ao ver estes meus parentes reunidos aqui, desejosos de lutar, meus membros cedem, arde-me a boca, meu corpo tirita, meus cabelos arrepiam-se, o arco me escorrega das mãos, a pele se me abrasa. Ó Krishna, não sou capaz de manter-me, os pensamentos se me confundem, vejo maus presságios. Não aspiro a vitória, nem a reino, nem a prazeres. Mestres, tios, filhos e netos, avós, sogros, além de outros parentes - que inspiravam o desejo de império, alegria e prazeres - eles próprios estão aí, em ordem de batalha, renunciando à vida e à fortuna.
Que valem, pois, reino, alegria, e mesmo a existência, ó Govinda’?

A esses guerreiros não quero matar, embora por eles seja eu morto, nem pelo domínio dos três mundos, quanto mais por causa desta Terra, ó matador de Madhu. ó Janárdana, que prazer pode advir a nós do assassínio dos filhos de Dhritarashtra?

Só o erro se apossará de nós, por termos massacrado esses malfeitores. Portanto, não devemos matar esses filhos de Dhritarashtra, que são nossos parentes; como podemos nós, ó Madhava, ter felicidade, destruindo nossos próprios parentes?

 Embora eles, dominados pela ambição, não vejam mal em destruir a família, nem erro em hostilizar amigos. Mas, ó Janárdana, por que não recuarmos deste erro, já que percebemos claramente o mal em destruir a família"? (I, 28- 39).

 No capítulo segundo, Krishna esclarece Arjuna de que todos esses "entes caros" são as exterioridades transitórias e ilusórias, os veículos inferiores da personagem terrena, com seus vícios (e, por isso, destruindo-os, realmente não há prazer em reinos nem em alegrias terrenas) mas que precisamos combater para atingir a essência íntima, o Eu verdadeiro: "esses corpos são perecíveis, (II,18). Mas o Eu é "eterno, onipresente, imutável, permanente, perpétuo" (II, 39 ), pois é no linguajar evangélico, o "reino dos céus". A explicação é bastante clara. "O sábio, dotado de conhecimento, abandonando o fruto de suas ações, torna-se livre dos grilhões do berço e alcança o estado que está além de todo mal.

 Quando teu intelecto houver atravessado o pântano da ilusão, então, e só então atingirás a indiferença em relação às coisas ouvidas e por ouvir. Quando teu intelecto, agindo pelas várias opiniões antagônicas das Escrituras, se firma inabalavelmente no Eu, então atingirás a Yoga (auto-realização ou união com Deus)" (II, 51-53). E continua:
"Ó Partha, quando um homem chega a satisfazer-se apenas com o Eu pelo Eu, e baniu completamente todos os desejos da alma, então se diz que ele possui firme sabedoria. Aquele cuja alma não se agita em calamidades, e que não aspira ao poder, e que está liberto do apego, do medo e da cólera é em verdade tido como um santo de firme sabedoria.

Aquele que é liberto de todo apego, e que não se rejubila ao receber o bem, nem se perturba ao receber o mal, tem sua sabedoria bem confirmada. Sua sabedoria começou a ficar bem firmada, quando ele retirou inteiramente seus sentidos dos objetos dos sentidos, como  a tartaruga renuncia aos membros. O encarnado, pela prática da abstinência (não dando alimento aos sentidos), pode amortecer os sentimentos dos sentidos, mas os anseios ainda permanecem em seu coração; todos os anseios se abatem, quando tiver visto o Supremo.

 Ó filho de Kunti, os sentidos (parentes) são perigosos, chegam mesmo a arrastar à força o espírito de um homem sensato que está lutando pela perfeição. O homem de firme sabedoria, tendo-o subjugado a todos eles (os sentidos, seus "parentes" mais caros) fica fixado em Mim, o Supremo, Aquele que tem os sentidos sob controle, tem a sabedoria bem firmada. Cuidando dos objetos dos sentidos, o homem e torna apegado a eles. Do apego nasce o anseio, e do anseio a cólera. Da cólera nasce o delírio, e este causa a perda de memória. Com esta arruina-se a faculdade de escolha, e com a ruína desta faculdade o homem perece.

Mas aquele que se domina alcança a paz e circula por entre os objetos com os sentidos controlados, isento de qualquer anseio ou aversão. Na paz, cessa a infelicidade e o espírito cheio de paz em breve se firma na sabedoria. Não há sabedoria para o instável nem para o que não medita.

E como poderá haver ventura para quem não tem paz?
O espírito que condescende com os sentidos indisciplinados e errantes, arrasta consigo sua sabedoria, exatamente como um barco na água é arrastado pelo vento. Portanto, ó poderosamente-armado, sabedoria firme é a daquele cujos sentidos estão bem afastados de todos os objetivos dos sentidos".

O ensinamento do Espírito, do Cristo, é um em todas as épocas e em todos os quadrantes, porque "há um só corpo e um só Espírito ... um só Senhor, uma só fé, um só mergulho, um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, e é por todos e está em todos" (Ef. 4:3-6). Fica, pois definitivamente explicado o sentido profundo e simbólico do verbo "odiar" neste trecho evangélico, tão incompreendido até hoje.

 Por ser longo o texto, continuaremos em nova postagem.

Sabedoria do Evangelho     Carlos torres Pastorino.
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