Olá,
Resta-nos esclarecer:
a) por que afastar-se da multidão?
b) por que tocar as orelhas?
c) por que a saliva
na língua?
d) por que a palavra hebraica?
Eis as respostas dos exegetas:
a) levou-o à parte porque, nessa localidade não queria agir de público. E como teria que usar gestos
para despertar a fé no enfermo (já que, sem essa condição exigida por Jesus, nada faz: a Ele) não
queria que julgassem seus gestos um ato de magia. Escondia-se, então, para não ser mal interpretado
...
b) tocou as orelhas porque, sendo o enfermo surdo, não podia ouvir as explicações e Jesus só podia
demonstrar a ele o que ia fazer, tocando-lhe as partes afetadas;
c) tocou-lhe a língua com saliva por seguir a tradição rabínica que dizia ter a saliva, sobretudo em
jejum, poderes curativos (cfr. Sabbat, 14, 14b e Abada Zara, 11, 10, 9), embora aí se saliente a cura
das doenças dos olhos.
Com efeito além deste passo, encontraremos outras duas curas realizadas
por Jesus, servindo-se o Mestre da saliva, ambas para curar cegos, em Marcos 8:23 e em João 9:6;
d) proferiu a palavra como uma súplica de que se realizasse a cura; e isso constituía mais uma razão
para afastar-se, já que os preceitos rabínicos proibiam terminantemente quaisquer palavras quando
se tratavam chagas ou enfermidades, para evitar a crença em efeitos mágicos de palavras.
As três razões apresentadas podem parecer ponderáveis, mas apenas para efeito externo. No entanto,
consideremos que Jesus curava publicamente as multidões (cfr. Mat. 15: 29-31, etc.) sem necessidade
de tocar nos enfermos. Alguma razão havia, e muito mais forte que essas razões externas, para agir
assim.
Vê-lo-emos.
A seguir vem a habitual proibição de divulgar o ocorrido, naturalmente não obedecida. E o impacto
que causa a cura é descrita com a expressiva palavra hyperperissõs, ou seja, "hiper-admiração". Donde
ser aplicada a Jesus a palavra de Isaías (35:5,6), que o próprio Jesus já aplicara a si mesmo, quando
respondeu aos emissários do Batista (Mat. 11:1-6).
Aqui descobrimos que existe um ensinamento simbólico, além do fato real da cura.
Inicialmente indaguemos por que anotou tão cuidadosamente o evangelista o roteiro anormal de
Jesus. De Tiro, o caminho mais direto para o mar da Galiléia seria a estrada que ligava Tiro a Cafarnaum,
quase em linha reta, no próprio território galileu, passando por Giscala, Saphed e Corozaim
(cerca de 60 kms, isto é, três dias de marcha).
No entanto, perfaz uma jornada muito mais longa, dando
uma volta de mais de 150 kms. Explicam os exegetas que aproveitou a viagem “para conversar a
sós com os discípulos" e mais, que assim evitava viajar pelo território governado por Antipas, fazendo
o trajeto pela tetrarquia de Filipe. Possível que assim fosse.
Todavia, como sabemos que todas as palavras e minúcias de um livro "revelado" têm uma razão simbólica,
verificamos que a passagem de "uma busca intensa (Tiro e Sidon) na terra agitada de negócios"
(Canaã), para as águas tranquilas (mar) do "jardim fechado" (Galiléia), não se faz repentina e
abruptamente: vibracionalmente a distância é grande, atravessando numerosos estágios ("dez cidades",
ou seja, Decápole).
Ao chegar, é apresentada uma personagem surda e gaga, para que a individualidade a cure.
A surdez física simboliza aquele que não consegue ouvir a Voz Interna da Verdade. E a gageira,
aquele que, apesar desse defeito de audição, pretende ensinar o caminho certo às criaturas, ou seja,
aquele que fala incorretamente. Portanto, o modelo dos pregadores que ainda não tiveram contato
com a Grande Realidade, que ainda não mergulharam na Consciência Cósmica, que ainda não se
unificaram ao Cristo. Só podem falar "gaguejando", não física, mas espiritualmente; não pronunciando as palavras pelo meio, mas ensinando somente meias-verdades; e isso porque, sendo “surdos" à
Voz Interna do Cristo, só conhecem as coisas através dos gestos materiais (das leituras e livros).
Jesus o retira da multidão, levando-o "à parte". Naturalmente, a primeira coisa a fazer num caso desses
é chamar o homem ao isolamento da meditação, fora da multidão, a fim de que no silêncio possa
realizar-se o Encontro Místico.
Depois coloca seus dedos nos ouvidos, revelando a bondade do Cristo que estende misericordiosamente
Suas mãos, para que possa ser mais bem ouvido. A seguir, “cuspindo" (isto é, emitindo de Si as
intensas vibrações de amor), toca-lhe a língua, rompendo-lhe o freio, para que possa proferir corretamente
as palavras (para que possa revelar as Verdades com correção).
A comunicação da saliva à língua alheia é um dos maiores e mais expressivos gestos de amor, normalmente
praticado pelos que se amam profundamente, por meio do beijo na boca: é a intercomunicação
das duas almas, através da comunhão dos fluidos físicos que emitimos pela saliva, numa interpenetração
vibratória por vezes mais forte que a própria penetração dos órgãos sexuais.
Elevando então sua tônica ao máximo (“erguendo os olhos ao céu"), profere a palavra (som-criador)
ÉPHPHETHA, isto é, “abre-te". O sentido do termo é revelador da necessidade da criatura nesse
ponto: é exatamente a de abrir os canais superiores do espírito, para a união com o Cristo.
Observe-se um pormenor de sumo interesse para nossa vida prática:
Cristo, ao ver que o homem era
surdo à Voz Interna e ensinava meias-verdades, não tem uma palavra sequer de condenação, não o
faz silenciar, não o despreza; ao invés, chama-o à parte para abrir-lhe o caminho certo da evolução,
para ajudá-lo, para reajustá-lo à Verdade.
O resultado dessa ação do Cristo é que o homem teve seus ouvidos abertos à Voz Divina e então
(note-se a propriedade da expressão!) falava corretamente, pregando certo, divulgando as verdades
reais, ensinando as verdadeiras realidades.
Não é dito que passou a falar "fluentemente" ou “correntemente",
mas CORRETAMENTE: falar CERTO, de acordo com a Verdade (orthôs).
O final da história revela o êxito da cura: o acontecimento é visto e verificado por todos: aclamam o
autor como a Bondade Encarnada: “fez bem todas as coisas" (kalõs pánta pepoíêke), frase que constitui
um dos mais belos testemunhos a respeito de qualquer ser.
Também desse trecho deduzimos que o Cristo que em nós reside está pronto a ajudar-nos, abrindo-nos
os ouvidos para que aprendamos, estendendo as mãos para guiar-nos pelo caminho certo para encontrá-
Lo, desde que o desejemos, a fim de assimilar Seus ensinamentos silenciosos e profundos e
poder então divulgá-los corretamente. Quando chegará nossa vez.
" Sabedoria do Evangelho" Carlos Torres Pastorino.
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