Olá,
É notável verificar que as crianças educadas nos princípios espíritas adquirem uma capacidade precoce de raciocínio, que as torna infinitamente mais fáceis de serem conduzidas.
Nós as vimos em grande número, de todas as idades e dos dois sexos, nas diversas famílias onde fomos recebidos, e pudemos fazer essa observação pessoalmente.
Isso não as priva da natural alegria, nem da jovialidade. Todavia não existe nelas essa turbulência, essa teimosia, esses caprichos que tornam tantas outras insuportáveis.
Pelo contrário, revelam um fundo de docilidade, de ternura e respeito filiais que as leva a obedecer sem esforço e as torna responsáveis nos estudos.
Foi o que pudemos notar e essa observação é geralmente confirmada.
Se podemos analisar aqui os sentimentos que a crença espírita tende a desenvolver nas crianças, facilmente conceber-se-ão os resultados que pode produzir.
Diremos apenas que a convicção que têm da presença de seus avós, que estão ali, ao seu lado e podem incessantemente vê-las, impressiona-as bem mais vivamente do que o temor do diabo, do qual terminam logo por descrer, enquanto não podem duvidar do que testemunham todos os dias, no seio da família.
Há, pois, uma geração espírita que cresce e que vai incessantemente aumentando. Essas crianças, por sua vez, educarão seus filhos nos mesmos princípios e, enquanto isso, os velhos preconceitos irão, de pouco em pouco, desaparecendo com as velhas gerações.
Torna-se evidente que a idéia espírita será, um dia, a crença universal.
Um fato não menos característico do estado atual do Espiritismo é o desenvolvimento de uma corajosa opinião. Se há ainda adeptos reprimidos pelo medo, o número destes é bem pouco considerável hoje em dia, ao lado daqueles que confessam em alto e bom som suas convicções e não se constrangem de se confessarem espíritas, como não se constrangeriam de se confessarem católicos, judeus ou protestantes.
A arma do ridículo, à força de ser arremetida sem abrir brechas e em face de tantas personalidades notáveis que proclamam, abertamente, a nova filosofia, acabou por se tornar inútil e foi posta de lado. Uma única arma permanece ainda em riste: a idéia do diabo. Mas, neste caso, é ao próprio ridículo que se faz justiça.
Todavia não foi apenas esse gênero de coragem que verificamos, mas também aquela da ação, do devotamento, do sacrifício, isto é, a coragem daqueles que, resolutamente, se põem à frente na promoção das idéias novas em certas localidades, pondo em risco suas pessoas e enfrentando ameaças e perseguições.
Eles sabem que, se os homens lhe fizerem mal, nesta curta vida, Deus não os deixará esquecidos.
A obsessão é, como se sabe, um dos grandes escolhos do Espiritismo. Não poderíamos, pois, deixar de lado uma questão de importância tão capital.
Vimos alguns grupos que, sem dúvida, encontram-se sob uma influência abusiva. Mas é evidente que se comprazem com ela e dela se tornam presa por uma confiança demasiado cega e, além disso, por certas predisposições morais. Outros, pelo contrário, alimentam um tal temor de serem enganados, que levam a desconfiança, por assim dizer, ao excesso, analisando com um cuidado meticuloso todas as palavras e todos os pensamentos, preferindo rejeitar o duvidoso a correr o risco de admitir o que seria mau.
Assim, os Espíritos mentirosos, sentindo-se inúteis, terminam por se retirar, indo se desforrar junto daqueles que percebem menos vigilantes e nos quais encontram fraquezas e exuberâncias de espírito a explorar.
O excesso em tudo é prejudicial, mas em semelhante caso vale mais pecar por excesso de prudência do que por excesso de confiança.
Um outro resultado de nossa viagem foi nos permitir sopesar a opinião que se faz de certas publicações que se distanciam, mais ou menos, de nossos princípios e entre as quais algumas chegam mesmo a ser-lhes francamente hostis.
Diremos, de início, que encontramos uma unânime aprovação relativamente ao nosso silêncio em face dos ataques que, pessoalmente, temos sofrido.
É relevante que todos os dias recebamos cartas de felicitações a esse respeito. Nos muitos discursos pronunciados, de modo geral aplaudiu-se, significativamente, nossa moderação. Um deles, entre outros, contém a passagem seguinte:
"A maledicência de vossos inimigos produz um resultado inteiramente contrário àquele que esperam, e é o de engrandecer-vos aos olhos dos vossos numerosos discípulos e de apertar os laços que os unem a vós. Por vossa indiferença mostrais que tendes consciência de vossa força. Opondo a mansidão às injúrias, ofereceis um exemplo que saberemos aproveitar. A História, prezado mestre, da mesma forma que vossos contemporâneos, e melhor ainda do que estes, levará a vosso crédito essa moderação, quando constatar, por vossas obras, que às provocações da inveja e do ciúme, opusestes apenas a dignidade do silêncio. Entre eles e vós, a posteridade será o juiz".
Os ataques pessoais nunca nos abalaram. Coisa diversa, entretanto, ocorreu relativamente àqueles que são dirigidos contra a doutrina.
Algumas vezes respondemos diretamente a certas críticas, quando isso nos pareceu necessário e a fim de provar que, se preciso, sabemos também lutar.
E isso teríamos feito, sem dúvida, muitas vezes, se constatássemos que esses ataques traziam um prejuízo real ao Espiritismo. Mas quando ficou provado pelos fatos que, longe de enodoá-lo, prestavam-se à causa que defendia, louvamos a sabedoria dos Espíritos que empregavam seus próprios inimigos para propagar o Espiritismo e tornar a infâmia em benefício, fazendo a idéia combatida penetrar em círculos onde jamais teria penetrado pelo elogio. Este é um fato que nossa viagem nos demonstrou de maneira peremptória, uma vez que nesses mesmos círculos o Espiritismo veio a recrutar vários partidários.
Allan Kardec
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