Olá,
(...) Quando as coisas caminham por si sós, por que, então, disputar e combater em lutas infrutíferas? Quando um exército verifica que as balas do inimigo não o atingem, ele o deixa atirar ao seu
bel-prazer e desperdiçar suas munições, certo de obter uma vantagem depois.
Em semelhantes circunstâncias, o silêncio é, muitas vezes, um recurso astucioso.
O adversário, ao qual não se responde, acredita não haver ferido bastante profundamente ou não ter encontrado o ponto vulnerável. Então, confiando no êxito que supõe fácil, ele se descobre e cai por si mesmo. Uma resposta imediata o teria posto em guarda.
O melhor general não é aquele que se atira, de peito aberto, na confusão da batalha, mas o que sabe esperar e estudar as aproximações.
Foi o que sucedeu a alguns dos nossos antagonistas: observando o caminho pelo qual se enveredavam, era fácil ver que se comprometiam cada vez mais. Apenas os deixamos à vontade. E eles, mais cedo do que se esperava, desacreditaram o que defendiam à força de seus próprios exageros, resultado esse que não teríamos alcançado através de nossa argumentação.
"Entretanto - dizem os que se pretendem críticos de boa-fé - nossa única preocupação é a de esclarecer e, se atacamos, não é absolutamente por hostilidade, partidarismo ou malquerença, mas para que, da discussão, possa nascer a luz."
Entre esses críticos há, certamente, os que são sinceros. Mas é preciso notar que os que têm em vista apenas questões de princípios discutem com calma e mantêm sempre o decoro.
Ora, quantos desse tipo podemos encontrar?
O que contém a maior parte dos artigos que a grande ou pequena imprensa tem dirigido contra o Espiritismo?
Diatribes, facécias geralmente pouco espirituosas, tolices e ironias chãs, muitas vezes injúrias que se caracterizam pela grosseria e banalidade.
Serão estes críticos sérios, dignos de uma resposta?
Há os que se põem a descoberto com tanta inabilidade que se torna inútil desmascará-los, pois que toda a gente percebe-lhes as intenções.
Seria, em realidade, dar-lhes demasiada importância e vale mais, pois, deixar que se deem as mãos, em seu pequeno círculo, do que pô-los em evidência através de polêmicas sem objetivo, já que não os convenceriam.
Se a moderação não estivesse em nossos princípios - pois que constitui uma consequência mesma da Doutrina Espírita, que prescreve o esquecimento e o perdão às ofensas -, seríamos encorajados a empregá-la pela simples verificação do efeito produzido por esses ataques, constatando que a opinião pública melhor nos vinga do que jamais nossas palavras tê-lo-iam podido fazer.
Quanto aos críticos honestos, de boa-fé, que comprovam sua arte de viver pela urbanidade das expressões, estes colocam a ciência acima de questões pessoais. A eles muitas vezes respondemos, quando não diretamente, pelo menos no ensejo de nossos artigos, em que são abordadas questões postas em controvérsia. E isso de tal forma que - julgamos -, para quem quer que se dê ao trabalho de ler esses artigos, não há uma única objeção que não esteja sem refutação.
Para responder a cada um, individualmente, fora preciso repetir, incessantemente, a mesma coisa e, de cada vez, com serventia para uma única pessoa. O tempo, ademais, não nos permitiria essa façanha, enquanto que, aproveitando um assunto que se nos apresenta para refutá-lo ou dar a seu respeito uma explicação, conseguimos, as mais das vezes, colocar o exemplo ao lado da teoria, e isso é de proveito geral.
Anunciamos a edição de um pequeno volume intitulado Refutações. Não o publicamos até hoje porque nos pareceu que ninguém se revelava especialmente interessado nele. E essa impressão se justificou. Antes de responder a certas brochuras que deveriam, conforme as afirmativas de seus autores, fazer ruir os fundamentos do Espiritismo, preferimos esperar e verificar o efeito que teriam. Pois muito bem! Nossa viagem nos convenceu de uma coisa: elas nada fizeram ruir! O Espiritismo está mais vivo do que nunca e, em contrapartida, na atualidade, apenas de modo vago mencionam-se essas publicações. É fácil supor que, nos círculos aos quais eram endereçadas e em cujas portas não batemos, são tidas como irrefutáveis. E com certeza, diz-se que nosso silêncio é a prova de nossa impossibilidade de respondê-las. Daí concluem que fomos duramente batidos, fulminados e arrasados.
Que nos importa isso desde que não fomos atingidos?
Esses escritos fizeram diminuir o número dos espíritas? Não!
Nossa resposta teria convertido essas pessoas? Não!
Onde, pois, a utilidade de refutá-las?
Havia, pelo contrário, vantagem em deixar que os nossos adversários disparassem o primeiro tiro. Não somos capazes de escrever um Édipo, mas outros se encarregarão de responder por nós: nosso editor em primeiro lugar, lançando no mercado livreiro a nona edição de O Livro dos Espíritos a primeira é de 1857 e a quarta de O Livro dos Médiuns em menos de dois anos; os assinantes da Revista Espírita duplicados em número e nos obrigando à necessidade de fazer uma nova impressão dos anos anteriores, duas vezes esgotados; a Sociedade Espírita de Paris, que vê crescer sua reputação; os espíritas que se multiplicam a cada ano, fundando por toda parte, na França e no estrangeiro, grupos adesos e sob a orientação da Sociedade de Paris; o Espiritismo, finalmente, que avança pelo mundo afora, consolando os aflitos, sustentando a coragem dos abatidos, semeando a esperança onde havia desespero, a confiança no futuro em lugar do medo!
Estas respostas bem mais valem do que as outras, pois que são os fatos que falam. Mas, como um rápido corcel, o Espiritismo levanta em seu rastro a poeira do orgulho, do egoísmo, da inveja e do ciúme, derrogando à sua passagem a incredulidade, o fanatismo, os preconceitos e conclamando os homens todos à lei do Cristo, isto é, à caridade, à fraternidade.
Vós que julgais que ele avança com excessiva rapidez, que não podeis contê-lo, por que não ides mais célere do que ele?
O meio de barrar-lhe a passagem é tão simples! Consiste apenas em fazerdes melhor do que ele faz. Dai mais do que ele dá, tornai os homens melhores, mais felizes, mais cheios de crença do que ele pode fazer e o mundo o abandonará para vos seguir. Mas enquanto o atacardes apenas por palavras e não por melhores resultados morais, enquanto não substituirdes a caridade que ele ensina por uma caridade maior, tereis de vos resignardes a deixá-lo passar.
É que o Espiritismo não é apenas uma questão de fatos mais ou menos interessantes ou autênticos, destinados à diversão dos curiosos. É, sobretudo, todo ele uma questão de princípios.
Ele é forte principalmente por suas consequências morais; ele se faz aceito não porque fecha os olhos, mas porque toca os corações. Tocai os corações mais do que ele o faz e sereis aceitos.
Ora, nada sensibiliza menos o coração do que a acrimônia e as injúrias.
Se todos os nossos partidários se agrupassem em torno de nós, teríamos sob os olhos uma multidão e nela não seria possível contar as milhares de adesões que nos chegam de todos os pontos do globo, vindas de pessoas que nunca vimos e que apenas nos conhecem por nossos escritos. Estes são fatos positivos, expressos pela brutalidade das cifras e que não podem ser atribuídos nem aos efeitos da propaganda nem ao compadrio do jornalismo, pois, se as idéias que professamos e das quais não somos senão humilíssimo editor-responsável encontram tão grandes simpatias, é que, examinadas, não se revelam desprovidas de senso comum.
Se bem que a utilidade da refutação a que mencionamos linhas acima não nos tenha sido, até hoje, claramente demonstrada, já que os ataques se refutam por si mesmos, pela insignificância de seus resultados, enquanto os adeptos do Espiritismo crescem em número, ainda assim estaríamos dispostos a levá-la a efeito.
Todavia as observações que fizemos em viagem modificaram o nosso plano, pois que muitas coisas se nos revelam inúteis, ao mesmo tempo em que novas idéias nos são sugeridas. Disporemos para que essa tarefa retarde o menos possível os trabalhos bem mais importantes que nos restam a fazer para completar a obra pela qual nos responsabilizamos.
Em resumo, nossa viagem tinha uma dupla finalidade: oferecer orientações onde destas houvesse necessidade e, ao mesmo tempo, nos instruirmos a nós mesmos. Desejávamos ver as coisas com nossos próprios olhos, para julgar do estado real da doutrina e da maneira pela qual ela é compreendida; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu progresso, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica e conhecer o julgamento que se faz de certas obras. Estávamos desejosos, sobretudo, de apertar a mão de nossos irmãos espíritas e de lhes exprimir pessoalmente nossa sincera e viva simpatia, retribuindo tocantes provas de idênticos sentimentos que nos chegam, por suas cartas; dar, em nome da Sociedade de Paris e em nosso próprio nome, em particular, um testemunho especial de gratidão e de admiração a esses pioneiros da obra espírita que, por sua iniciativa, seu zelo desinteressado e seu devotamento, constituem dela os primeiros e mais firmes sustentáculos, a esses que caminham sempre em frente, sem se inquietarem com as pedras que se lhes atiram, colocando o interesse da causa espírita à frente de seus interesses pessoais.
Seu mérito é tanto maior porque trabalham em solo ingrato, vivem em um meio refratário e não esperam deste mundo nem fortuna, nem glória, nem honrarias.
Seu júbilo, porém, é grande quando, entre os abrolhos, vêem desabrochar algumas flores. Dia virá em que teremos a felicidade de erguer um Panteon ao devotamento dos espíritas. Esperando que esta circunstância se apresente, queremos deixar-lhes o mérito da modéstia: eles se fazem conhecer e apreciar por suas próprias obras.
Sob esses diversos ângulos nossa viagem foi muito satisfatória e, sobretudo, muito instrutiva, pelas observações que nos foi possível recolher. Se restasse qualquer dúvida quanto ao caráter irresistível do progresso da Doutrina Espírita, quanto à impotência dos ataques, quanto à sua influência moralizadora e o seu futuro, o que vimos bastaria para dissipá-la.
Há, certamente, ainda muito por fazer e, em inúmeras localidades, ela apenas lança as primeiras vergônteas esparsas, mas essas vergônteas são vigorosas e já prenunciam frutos. Sem dúvida, a rapidez com a qual se propagam as idéias espíritas é prodigiosa e sem exemplo nos anais das filosofias, porém nós nos encontramos apenas no início da caminhada e resta ainda a fazer a maior parte do percurso.
Que a certeza de atingir o objetivo seja, pois, para todos os espíritas um encorajamento em perseverar no rumo que lhes foi traçado.
Allan Kardec
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