segunda-feira, 9 de junho de 2014

Viagem Espírita

Olá,

Nossa primeira viagem a serviço do Espiritismo, realizada em 1860, limitou-se apenas a Lyon e algumas outras cidades que se encontravam em nosso trajeto. No ano seguinte acrescentamos Bordeaux ao itinerário e finalmente agora, além dessas cidades principais, no decorrer de uma excursão que durou sete semanas, num percurso de cento e noventa e três léguas, visitamos uma vintena de localidades e assistimos a mais de cinquenta reuniões.


(...)  O primeiro resultado que pudemos constatar foi o imenso progresso realizado pela crença espírita. Um único fato pode disso dar uma idéia quando de nossa primeira viagem a Lyon, em 1860, existiam ali, por alto, algumas centenas de adeptos. No ano seguinte alcançavam a casa de 5 ou 6 mil. Este ano o cálculo tornou-se impossível. Pode-se, entretanto, avaliá-los entre 25 e 30 mil. Em Bordeaux, no ano passado, não chegavam a 1 mil. No espaço de um ano esse número foi decuplicado. Esse é um fato constante, que ninguém pode contestar.
Um outro fato que nos foi dado verificar e que nos parece notável é que, em uma inumerável quantidade de localidades, onde era desconhecido, o Espiritismo penetrou graças às pregações que lhe são contrárias e que, fazendo-o notado, inspiraram nas pessoas o desejo de investigar em que consiste ele. Em seguida, ao se provar o seu caráter racional, necessariamente adquiriu partidários. Poderíamos citar, entre outras, uma pequenina cidade no departamento do Indre-et-Loire onde, mais ou menos seis meses, nunca se ouvira falar de Espiritismo. Foi quando ocorreu a um pregador a idéia de fulminar, através do púlpito, o que ele denominava, do modo falso e impróprio, a religião do século dezenove e o culto a Satã. A população, surpreendida, se interessou por saber do que se tratava. Encomendaram-se livros e hoje, ali, um grupo de adeptos organizou  um Centro. Esse fato é tanto mais significativo porque prova quanta razão tinham os Espíritos quando nos diziam, alguns anos, que nossos próprios adversários, sem o quererem, serviriam à nossa causa.
É uma constante o fato de que, por toda parte a propagação das idéias espíritas se desenvolveu em razão dos ataques. Ora, para que uma idéia se difunda por tal processo, é preciso que ela satisfaça e que as pessoas a julguem mais racional do que aquela que se lhe opõe. Um dos resultados de nossa viagem foi, pois, constatar, com nossos próprios olhos, o que sabíamos por nossa correspondência.
É preciso confessar, não obstante, que essa progressão ascendente está longe de ser uniforme. Se localidades onde a idéia espírita parece germinar à medida que a semeamos, outras há, em contraposição, onde penetra mais dificilmente, por motivo de causas locais devidas ao caráter de seus habitantes e, sobretudo, à natureza de suas ocupações. Em tais lugares os espíritas realizam seus estudos individualmente. Mas aí, como em outras partes, as raízes se firmaram e, cedo ou tarde, apresentarão seus rebentos, tal como se tem visto ocorrer, hoje em dia, nas cidades onde os espíritas são mais numerosos.
Por toda parte a idéia espírita começa a ser difundida partindo das classes mais esclarecidas ou de mediana cultura. Em nenhum lugar ascende das classes mais incultas. Da classe média ela se estende às mais altas e mais baixas da escala social. Em muitas cidades os grupos de estudos são constituídos quase que exclusivamente por membros dos tribunais, pela magistratura e o funcionalismo. A aristocracia fornece também seu contingente de adeptos, mas, até o presente, eles se têm contentado em ser simpatizantes e, na França pelo menos, pouco se reúnem. Grupos desse tipo são mais comuns na Espanha, Rússia, Áustria e Polônia, onde o Espiritismo tem lúcidos representantes, mesmo nas camadas sociais mais elevadas.


 Allan Kardec

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