terça-feira, 18 de março de 2014

Analisar - Cartas escritas com lágrimas. — Não devemos desagradar a ninguém

Olá,

23 —11 —1944

 “(...) O que me dizes, reverentemente à atitude de certos confrades que descambam para o terreno das provocações declaradas, é a cópia do que sinto também. É muito triste vermos companheiros, com tantas expressões de cultura evangélica, arvorarem-se em lutadores e combatentes sem educação.
 Logo que houve o agravo da sentença (caso H. Campos), observando a agressividade de muitos, escrevi mais de cinquenta cartas privadas e confidenciais aos amigos da doutrina, com responsabilidade na imprensa espiritista, rogando a eles me ajudarem, por amor de Jesus, com o silêncio e a prece e não com defesas precipitadas e, confesso-te, que algumas dessas cartas foram escritas com lágrimas por mim, tal a desorientação de certos amigos que facilmente se transformam em provocadores e ironistas, esquecendo os mais comezinhos devores cristãos.(...)”
 O que nos impressiona neste texto é, sobretudo, a sua atualidade. Chico Xavier escreve-o sob o guante de sofrimento advindo das perseguições. Mas não especialmente das perseguições que lhe moviam os familiares de Humberto de Campos. Ele não padecia tanto pelo ataque que lhe vinha da fora, do exterior, mas, sim, pelas agressões de dentro do nosso próprio meio a irmãos que o não compreendiam. Tanto ele quanto Wantuil de Freitas estavam entristecidos por constatarem que muitos companheiros, com expressiva cultura evangélica, se transformaram em verdadeiros combatentes até sem educação. Diante de tanta agressividade, diante de tantos confrades que tomaram iniciativa precipitada de defendê-lo, Chico escreve mais de cinquenta cartas confidenciais a amigos com tarefas na imprensa espírita, rogando-lhes em nome de Jesus que o ajudem, sim, mas com o silêncio e a prece. Tal é a sua preocupação, que muitas dessas cartas são “escritas com lágrimas”.
 Imaginemos a serenidade de Chico Xavier ante o problema que se agrava e imaginemo-lo a escudar-se na prece e no trabalho, firme na sua fé, seguro no seu testemunho, imenso é, portanto, o seu sofrimento ao verificar que vários companheiros, não entendendo o significado daquela Mora e muito menos as suas condições espirituais para superá-lo, se arvoram em seus defensores, agindo, porém, de maneira totalmente oposta à atitude que ele,  Chico, assumira.
 Atitude esta plenamente coerente com a de Wantuil e, vale dizer, de toda a FEB. Nesse episódio, Chico Xavier sente, por extensão, a dor de ver que a mensagem do Cristo não havia sido assimilada por esses irmãos. Que se transformaram, sem o sentirem, em fomentadores da discórdia e em instrumentos das trevas.
Que magistral lição ressuma dessa passagem da vida de Chico Xavier!
Atacado injustamente, não revida. Ofendido, silencia. Caluniado, recolhe-se à oração.  Jogado à opinião pública de todo o País, aguarda serenamente o resultado do julgamento dos homens, sabendo de antemão que, qualquer fosse ele, estaria em paz com a sua consciência, na certeza de ter cumprido fielmente o seu dever.
Toda a sua defesa é Jesus. É Nele que encontra o exemplo a ser seguido. É para o Mestre Divino que volve o seu olhar confiante. E enquanto se abriga nesse Imenso Amor, Chico é surpreendido com a reação nada cristã e nada espírita de muitos confrades.
 Num relance percebe não apenas essa conduta incoerente com os princípios que dizem esposar, mas, principalmente, a estratégia dos planos inferiores a se armar, subrepticiamente, infiltrando-se sutil e usando como pretexto a necessidade de defesa de Chico Xavier.

“Como sabes, meu caro Wantuil, nem todas as publicações poderiam ser corretas, no caso escandaloso, e nem todos os jornalistas me procuraram com boas intenções. Mas como sabes também, e conforme assevera o nosso Emmanuel, “na tarefa mediúnica, não- podemos agradar a todos, mas não devemos desagradar a ninguém”. Minha situação era muito delicada e mesmo assim não faltaram inúmeros confrades que me escreveram cartas impiedosas e irônicas, quando liam reportagens em desacordo com a verdade dos fatos, como se eu devesse controlar todos os jornais que escreveram sobre o acontecimento. Alguns me perguntaram acremente se eu não estava obsediado e se já não havia enlouquecido. (...) Continuemos, meu amigo, em nossos trabalhos, edificados na consciência tranquila.”

Cremos que a maioria dos companheiros de nosso movimento serão tomados pela mesma perplexidade que nos acometeu ao lermos essas cartas e constatarmos  que existem irmãos nossos, isto é, pessoas que se dizem espíritas, capazes de, com toda tranquilidade, escreverem uma carta a alguém de maneira impiedosa e irônica. E mais: de se dirigirem a Chico Xavier ofendendo o, pedindo-lhe contas de seus atos, transformando-se em juízes descaridosos e frios, como se lhes coubesse esse direito em relação a outro ser humano.
 É triste verificarmos o quanto ainda somos pouco cristãos. Não assimilamos quase nada dos ensinamentos do Cristo.
É o caso de nos perguntarmos: Onde está o Evangelho em nós? E da Doutrina Espírita o que apreendemos, assimilamos e incorporamos à nossa vivência?
A lição do Mestre prossegue ecoando ao longo dos tempos para aqueles que têm ouvidos de ouvir: “Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecados.”
 Mas, Chico nem sequer menciona nomes. Poderia tê-lo feito, pois escreve a um amigo do seu coração. Não acusa, todavia, a ninguém. Não faz referências desairosas. Apenas explica a Wantuil que muitas publicações não são corretas e que alguns jornalistas não o procuram com boas intenções.
 Chico quer que Wantuil esteja a par da verdade. Interessa-lhe que o amigo saiba do que ocorre. Não se preocupa em divulgar a realidade ou esclarecer os demais. Permanece, como sempre faz, em sua extraordinária vivência evangélica. De suas palavras neste trecho, reponta a frase de Emmanuel:
 “na tarefa mediúnica, não podemos agradar a todos, mas não devemos desagradar a ninguém.” Realmente, com paciência apostolar Chico tem procurado seguir este conselho, doando constantemente o melhor de si mesmo. As pessoas, entretanto, em sua maior parte, não se contentam com o que recebem. Querem sempre mais. Estão sempre exigindo e cobrando. E especialmente dos médiuns.  Bem poucos têm uma noção correta do que seja a tarefa mediúnica. Crêm que o médium tem consigo a fórmula mágica que resolve problemas, afasta dissabores e, sobretudo, que suas mãos guardam o segredo do milagre capaz de curar e cicatrizar males e feridas do corpo e da alma.
 Chico Xavier dá-nos os parâmetros do que seja a vivência da mediunidade com Jesus, plena e integral. Ele não é espírita apenas quando está no Centro ou cercado pela multidão. Ele não é médium somente nos horários restritos das reuniões. A sós ou junto do povo, no seu lar ou no Centro, ele é sempre o espírita e o médium que vive e exemplifica o que escreve e fala.
 Com a simplicidade que lhe é característica, transmite a Wantuil a “fórmula milagrosa” para superar a tantas dificuldades: 
“Continuemos, meu amigo, em nossos trabalhos, edificados na consciência tranquila.”

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