sexta-feira, 23 de agosto de 2013

VIGILÂNCIA - O juiz reformado

Olá,
Como houvesse o Senhor recomendado nas instruções do dia muita cautela no julgar, a conversação em casa de Pedro se desdobrava em derredor do mesmo tema.
 — É difícil não criticar — comentava Mateus, com lealdade —, porque, a todo instante, o homem de mediana educação é compelido a emitir pareceres na atividade comum.
— Sim — concordava André, muito franco —, não é fácil agir com acerto, sem analisar detidamente.



 Depois de vários depoimentos, em torno do direito de observar e corrigir, interferiu Jesus sem afetação:
 — Inegavelmente, homem algum poderá cumprir o mandato que lhe cabe, no plano divino da vida, sem vigiar no caminho em que se movimenta, sob os princípios da retidão.
Todavia, é necessário não inclinar o espírito aos desvarios do sentimento, para não sermos vitimados por nós mesmos.
Seremos julgados pela medida que aplicarmos aos outros. O rigor responde ao rigor, a paciência à paciência, a bondade à bondade...
 E, transcorridos alguns instantes, contou:
 — Quando Israel vivia sob o governo dos grandes juízes, existiu um magistrado austero e violento, em destacada cidade do povo escolhido, que imprimiu o terror e a crueldade em todos os serventuários sob a sua orientação.
Abusando dos poderes que a lei lhe conferia, criou ordenações tirânicas para a punição das mínimas faltas. Multiplicou infinitamente o número dos soldados, edificou muitos cárceres e inventou variados instrumentos de flagelação.
O povo, asfixiado por estranhas proibições, devia movimentar-se debaixo de severa fiscalização, qual se fora rebanho de bravios animais. Trabalharia, descansaria e adoraria o Senhor, em horas rigorosamente determinadas pela autoridade, sob pena de sofrer humilhantes castigos, nas prisões, com pesadas multas de toda espécie.
 Se bem mandava o juiz, melhor agiam os subordinados, cheios de natural malvadez. Assim foi que, certa feita, dirigindo-se o magistrado, alta noite, à casa de um filho enfermo, foi aprisionado, sem qualquer consideração, por um grupo de guardas bêbedos e inconscientes que o conduziram a escura enxovia que ele mesmo havia inaugurado, semanas antes.
Não lhe valeram a apresentação do nome e as honrosas insígnias de que se revestia. Tomado por temível ladrão, foi manietado, despojado dos bens que trazia e espancado sem piedade, afirmando os sentinelas que assim procediam, obedecendo às instruções do grande juiz, que era ele próprio. Somente no dia imediato foi desfeito o equívoco, quando o infeliz homem público já havia sofrido a aplicação das penas que a sua autoridade estabelecera para os outros. O legislador atribulado reconheceu, então, que era perigoso transmitir o poder a subalternos brutalizados e ignorantes, percebendo que a justiça construtiva e santificante é aquela que retifica ajudando e educando, na preparação do Reinado do Amor entre os homens.
 Desde a singular ocorrência, a cidade adquiriu outro modo de ser, porque o juiz reformado, embora prosseguisse atento às funções que lhe competiam, ergueu, sobre o tribunal, a benefício de todos, o coração de pai compreensivo e amoroso.
 Lá fora, brilhavam estrelas, retratadas nas águas serenas do grande lago.
Depois de longa pausa, o Mestre concluiu:
— Somente aquele que aprendeu intensamente com a vida, estudando e servindo, suando e chorando para sustentar o bem, entre os espinhos da renúncia e as flores do amor, estará habilitado a exercer a justiça, em nome do pai.
Jesus no lar    Néio Lúcio/Francisco C. Xavier

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