Olá,
Carlos Torres Pastorino,
em “Sabedoria do Evangelho”
traz explicação e interpretação de textos dos Evangelhos.
Veja quantos esclarecimento neste texto.
O SERMÃO DO MONTE
AS BEM AVENTURANÇAS
Mat. 5:31 a 42
31.
Vendo Jesus a multidão, subiu ao monte; e depois de sentar-se,
aproximaram-se dele seus discípulos, 32. e, abrindo a boca, ele lhes
ensinava, dizendo:33. felizes os mendigos do Espírito, porque deles é o
reino dos céus; 34. felizes os que choram, porque serão consolados; 35.
felizes os mansos, porque eles herdarão a Terra; 36. felizes os famintos
e sequiosos de perfeição, porque eles serão satisfeitos; 37. felizes os
misericordiosos, porque eles obterão misericórdia; 38. felizes os
limpos de coração, porque eles verão Deus; 39. felizes os pacificadores,
porque eles serão chamados Filhos de Deus. 40. Felizes os que forem
perseguidos por causa da perfeição, porque deles é o reino dos céus. 41.
Felizes sois, quando vos injuriarem, vos perseguirem e, mentindo,
disserem todo o mal contra vós minha causa; 42. alegrai-vos e exultai,
porque é grande vosso prêmio nos céus, pois assim perseguiram aos
profetas que existiram antes de vós.
Luc- 6:20 a 26
20.
E tendo erguido os olhos para seus discípulos, disse: felizes os
pobres, porque vosso é o reino de Deus 21. Felizes os que agora tendes
fome, porque sereis fartos. Felizes os que agora chorais, porque rireis.
22. Felizes sois, quando os homens vos odiarem e quando vos
excomungarem, vos ultrajarem e rejeitarem vosso nome como indigno, por
causa do Filho do Homem 23. alegrai-vos e exultai nesse dia, pois grande
é vosso prêmio no céu, porque assim seus pais fizeram aos profetas. 24.
Mas ai de vós que sois ricos, porque já recebestes vossa consolação.
25. Ai de vós os que agora estais fartos, porque tereis fome. Ai de vós,
os que agora rides, porque haveis de lamentar-vos e chorar, 26. Ai de
vós quando vos louvarem os homens, porque assim seus pais fizeram aos
falsos profetas.
Penetramos, agora, num
capítulo da Boa Nova, que todo cristão deveria ler, de joelhos,
diariamente, vivendo-o intensamente. Constitui um dos mais perfeitos,
elevados e completos cursos de iniciação profunda. Se todos os livros de
espiritualidade do mundo se perdessem, mas restasse apenas este
trechos, bastaria ele para levar as criaturas à perfeição mais
extremada, ao adeptado mais avançado, levando-nos - se vivido
integralmente - à libertação total dos ciclos reencarnatórios.
Diz-nos
Mateus que Jesus "subiu ao monte" e lá falou: é a tradição de
Jerusalém. Lucas, tradição de Antióquia, afirma que Jesus "desceu da
montanha a um lugar plano" e aí ensinou o Contradição apenas
aparente.
Lucas
dá-nos os pormenores, que Mateus resume. E absolutamente não se diz, no
3.º Evangelho, que Jesus desceu à planície mas apenas a "um lugar
plano", provavelmente na encosta do monte ainda, onde deparou a multidão
que o esperava. Atendeu-a, e depois falou.
O sentido
profundo justifica plenamente as duas escrituras. Em Mateus, onde todo o
discurso é dado seguidamente, Jesus fala no monte, elevadamente, para
as individualidades, ao Espírito. Em Lucas, dirige-se Jesus às
personalidades, facilita Seu ensino, DESCE a "um lugar plano".
Observamos que as bem-aventuranças em Lucas se referem ao plano físico:
os pobres, os que choram, os que têm fome, que sentem essas angústias na
carne, no corpo denso, e o Mestre se refere exatamente à pobreza de
dinheiro, às lágrimas das dores, à fome de comida. E logo a seguir,
condena os ricos, os que estão
fartos, os que riem, tudo na parte material,
Mateus.
Este
dá-nos a parte espiritual, com elevação (monte) extraterrena: cada um
interpreta o ensinamento segundo seu diferente ponto de vista:
Mateus, segundo o Espírito, segundo a individualidade;
Lucas segundo o corpo, a personalidade.
LUCAS
Lucas
apresenta-nos quatro bem-aventuranças e quatro condenações em paralelo,
visando unicamente à personalidade humana em suas vidas sucessivas.
Sabemos, com efeito, que, de modo geral, as encarnações oferecem
alternância de situações:os ricos renascem pobres, e vice-versa (cfr. 1
Sam.2:7-8), os caluniados renascem louvados e vice-versa. Essa idéia foi
bem apreendida por Lucas, quando transcreveu em seu Evangelho o Cântico
de Maria (Lc. 1: 52-53).
Que não se referia a esta
mesma vida de um só transcurso está claro, porque em uma mesma
existência não se dão, absolutamente, tais transformações.
E também não podia referir-se à vida "celestial" de um paraíso ou "céu"
de
espíritos, porque, uma vez lá, ninguém pensará em fartar-se de iguarias
para vingar-se da fome que aqui passou; e mesmo que aqui se tenha
fartado, não ligará a menor importância à falta de alimentos físicos,
desnecessários ao espírito.
Logo, a única conclusão lógica aceitável racionalmente
é
a recompensa ou castigo que nos virão NESTA MESMA TERRA, numa vida
posterior,com um corpo novo. E o ambiente antioqueno, todo ele
reencarnacionista, compreenderia bem essas realidades.
As quatro oposições são as seguintes:
1) Felizes vós os mendigos, porque vosso é o reino de Deus.
Ai de vós os ricos, porque já fostes consolados.
2) Felizes vós que tendes fome sereis fartos.
Ai de vós os fartos, porque tereis fome.
3) Felizes vós que chorais, porque rireis .
Ai de vós que rides, porque chorareis .
4) Felizes quando fordes perseguidos, porque assim fizeram aos profetas
Ai de vós quando vos louvarem porque assim fizeram aos falsos-profetas.
Se
não entendêramos o sentido real da reencarnação, teríamos nesse resumo
uma tirada demagógica, para conquistar simpatizantes e adeptos, pois são
declarados felizes exatamente os da massa explorada e escravizada,
enaltecendo-se como coisas ótimas a pobreza, a fome, a dor (doença) e a
rejeição dos homens. E as ameaças atingem precisamente os elementos
exploradores e gozadores: os ricos, os de mesa farta, os alegres
(sadios) e os famosos.
De qualquer maneira, é uma
versão personalística expressa para aqueles que ainda se apegam a seu eu
pequenino e passageiro, julgando-o seu Eu real.
É uma consolação
interesseira, para aqueles que ainda dão valor ao que é externo a si
mesmos: o consolo dos outros, a posse dos bens materiais ou não, uma boa
mesa, e os elogios dos homens.
Para Lucas, neste passo, Deus é a
Lei Justiceira que premia e pune, que dá e tira, tal como O concebem as
personalidades presas ao transitório irreal de um mundo passageiro, do
qual eles se acreditam "partes integrantes".
Personalidades
que ainda não se libertaram do apego à Terra, às condições exteriores
de bem-estar financeiro, físico, emocional ou de apoio das outras
criaturas.
Acredite ou não na reencarnação, a massa humana se
encontra nesse estágio e busca ansiosamente essas mesmas coisas, por
todos os meios, materiais e espirituais. Nada interessa ao rebanho
senão, em primeiro lugar a saúde, depois o dinheiro para viver, a seguir
a tranquilidade emocional (amores) e
enfim a "boa cotação" na
opinião pública. Esses são os pedidos mais frequentes e angustiosos,
feitos nas preces dos crentes de todas as religiões.
MATEUS
Muito
diferentes as palavras de Mateus. Transcrevendo os ensinamentos
profundos de Jesus, relativos à individualidade - que não dá a menor
importância a coisa alguma que venha de fora, que seja externo, quem
presta a mínima atenção ao que dizem "os outros".
Os
exegetas e hermeneutas buscam o número 7 nas bem-aventuranças, não
conseguindo reduzi-las a esse número, nem mesmo reunindo duas em uma.
Mas, realmente, as bem-aventuranças são apenas 7,
já que as duas
últimas vezes em que aparece a palavra "bem-aventurados" (felizes),
estão fora da série, tratam de coisas externas, que não dependem da
evolução interna da criatura. As sete primeiras referem- se à evolução
do homem, as duas últimas são acidentes que podem ocorrer e que também
podem não ocorrer, o que nada tira nem acrescenta à evolução do
indivíduo: representam elas provações exteriores, que experimentam e
provam a legitimidade da evolução genuína.
PRIMEIRA
- O primeiro elemento, ptôchos, significa exatamente "aquele que
caminha humilde a mendigar". Sua construção normal com acusativo de
relação poderia significar o que costumam dar as traduções correntes:
"mendigos (pobres, humildes) no (quanto ao) espírito".
Após
havermos considerado numerosas traduções, aceitamos a que propôs José
de Oiticica. MENDIGOS DE ESPÍRITO, por ser mais conforme ao original
grego, e por ser a mais lógica e racional; pois realmente são felizes
aqueles que mendigam o Espírito; aqueles que, algemados ainda no cárcere
da carne, buscam espiritualizar-se por todos os meios ao seu alcance,
pedem, imploram, mendigam esse Espírito que neles reside, mas que tão
oculto se acha.
SEGUNDA - Felizes os que
choram, ansiosos em obter esse Espírito, embora presos às sensações. E
choram porque sentem a dificuldade de libertar-se das provações e
tentações a que os sentidos os arrastam.
Não se trata de chorar
por chorar, que isso de nada adiantaria à evolução. Fora assim, os que
vivem a lamentar-se da vida seriam os mais perfeitos ... e aqueles que
criam doenças e males imaginários, levados pela autocompaixão, para
sobre si atraírem alheias atenções, palavras de conforto, estariam como
elevados
na linha evolutiva ... Nada disso: as lágrimas enchem os olhos e
sobretudo o coração diante do próprio atraso, diante da verificação de
quanto ainda somos involuídos.
E isso trar-nos-á a consolação de ver-nos finalmente libertados.
Não
podemos admitir más interpretações em textos de tão alta
espiritualidade, que trazem incontestável clareza na exposição de seu
pensamento.
TERCEIRA - Salienta-se, a
seguir, a mansidão ou humildade. a paciência ou doçura (pralís); e aos
que assim forem é prometida, como herança, a Terra.
Já dizia Davi (Salmo 37: 11) "os mansos herdarão a Terra e se deleitarão na abundância da paz".
E mais tarde Isaías (65:9) "meus escolhidos herdarão a Terra e meus servos nela habitarão".
Provérbios
(2:21-22) se diz: "porque os homens retos habitarão a Terra e os
íntegros nela permanecerão; mas os ímpios serão suprimidos da Terra e os
pérfidos dela serão arrancados".
Há, pois, uma constante no pensamento do Antigo e do Novo Testamentos, nesse sentido:
a
Terra será o prêmio dos justos, que aí encontrarão a paz perfeita. Não
se fala em herdar o "céu", no sentido moderno, mas A TERRA (tên gên),
sem a menor possibilidade de interpretações malabaristas.
Que prêmio será esse?
Será o apego à personalidade? ao corpo físico e às coisas físicas? Cremos que não.
Não
é, evidentemente, nesta nossa vida atual, em pleno pólo negativo; mas
num renascimento futuro ou, como disse Jesus textualmente, na
reencarnação - en têi paliggenesía -,
quando o Filho do Homem se sentar em seu trono de glória (Mat. 19-28).
A
Terra, este mesmo planeta, transformado em planeta de paz (depois que
dele tiverem sido expulsos todos os que buscam e causam guerras),
conservará como seus habitantes, na evolução, aqueles que,
com ela, tiverem também evoluído por meio da mansidão, da paciência, da doçura e da humildade.
QUARTA - Nesta bem-aventurança fala-se dos famintos e sequiosos de perfeição. Geralmente dikaiosúnê é traduzido por "justiça".
Essa
palavra, entretanto, permite uma incompreensão que falsearia o sentido
original: como podem ser louvados os que exigem justiça, se logo após
são ditos felizes os misericordiosos ?
Uma coisa exclui a outra:
ou justiça, ou misericórdia! Como teria podido Jesus contradizer-se a
tão curto intervalo ? Há de haver algum engano. Ora, realmente o termo
grego dikaiosúnê é derivado de dikaios, que exprime precisamente .
O
observador da regra, o justo, o reto, o honesto, ou, numa expressão
mais exata ainda "o que se adapta às regras e conveniências", pois o
termo primitivo dikê, donde todos os outros derivaram, significa REGRA.
Compreendemos,
então, que o sentido (para coadunar-se com a bem-aventurança seguinte)
só pode referir-se aos que aspiram ardente e sequiosamente à PERFEIÇÃO,
ao AJUSTAMENTO de si mesmos
às Leis divinas. Então é justiça no sentido de JUSTEZA (tal como o francês justice, no sentido de JUSTESSE).
Esses que são famintos desse ajustamento, hão de ser saciados em suas aspirações ardentes.
QUINTA - Nesta quinta, fala Jesus dos misericordiosos, daqueles que, segundo Paulo (Col- 3: 12)
"se
revestem das entranhas da misericórdia". É o oposto da "justiça". É o
SERVIÇO no sentido mais amplo.O serviço de quem se compadece daquele que
erra, porque nele não vê maldade: vê apenas ignorância e infantilidade.
Esses
obterão misericórdia, porque sabem distribuir servindo sempre, sem
jamais cogitar de merecimentos ou prêmios. É a misericórdia que tudo
entrega à Vontade do Pai, e vai distribuindo bênção a mancheias sobre
todos, indistintamente, incondicionalmente, ilimitadamente,
amorosamente.
SEXTA - Fala-nos esta da
limpeza do coração. Muitos interpretam-na como limpeza ou pureza no
sentido de castidade, de nãocontato sexual, atribuindo, a um acidente
secundário, uma condição fundamental.
Não é isso: é pureza e
limpeza no sentido de renúncia, de ausência total de apego, de
nudez,porque nada possuímos de nosso: tudo pertence ao Pai, e nos é
concedido por empréstimo temporário
("nada trouxemos para este
mundo, e nada poderemos dele levar", 1 Tim. 6:7); estamos limpos,
estamos livres, estamos nus de posses, de apegos, e até mesmo de
desejos, desligados inclusive de nossa própria personalidade.
A
palavra Katharós tem um significado bem claro em grego: é tudo aquilo
que é puro por não ter mistura, que é isento, desembaraçado, livre,
limpo de qualquer agregação.
A expressão Katharoí têi Kardíai já aparece no Salmo 24:4 (que também traz o adjunto em dativo) e aí
aparece
no seguinte sentido: "quem subirá ao monte de YHVW e quem estará no
santo lugar"? ou seja, "quem obterá a realização elevada do encontro com
o Cristo"? e a resposta diz: "aquele que é inocente (sem culpa) nas
mãos (nos atos) e LIMPO DE CORAÇÃO", isto é, que em seus atos (mãos) e
pensamentos (coração) não tem apego nem culpa, que não trai o amor de
Deus (individualidades), desviando-o para amar as personalidades
externas, passageiras e enganosas.
Essa mesma expressão
é usada por Platão, no diálogo Crátilo (405 b), de que traduziremos o
texto: "a purgação e a limpeza, seja da medicina seja da mediunidade, as
fumigações de enxofre, seja por drogas medicinais ou por mediunismo, e
também os banhos desse tipo e as aspersões, tudo isso tem um só e único
poder: tornar o homem limpo, quer seja do corpo, quer seja de alma
(Katharós katà sôma tò kai katà tên psuchén) ...
Assim, esse espírito é o limpador, o lavador e libertador de semelhantes sujeiras (ou agregações que enfeiam)".
Nada
se acena à castidade nem ao sexo, cuja união é uma ordem taxativa de
Deus e da Natureza, sem o qual a obra divina não sobreviveria; logo é um
ato SANTO e PURO.
Esses, que se libertaram até do eu pequenino,
verão Deus (futuro de horáô), que é VER não só física, mas sobretudo
espiritualmente: sentir, experimentar.
SÉTIMA -
Ensina-nos a respeito dos pacificadores, ou, literalmente, dos
"fazedores de paz", eirênopoiós (substantivo que é um hapax na Bíblia);
trata-se daquele que não somente TEM a paz, como também a distribui com suas vibrações de amor.
Esses
serão chamados, porque realmente o são, Filhos de Deus, desse "Deus de
Paz" de que nos fala Paulo (2 Cor.13:11), isto é, atingiram não apenas o
encontro com o Cristo, mas a unificação permanente com Deus.
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